segunda-feira

DESENVOLVIMENTO ESTÉTICO


Ao mesmo tempo em que queríamos esclarecer sobre o assunto abordado, a meta era não fazer um documentário convencional. A secretaria de cultura de Guarulhos me deu total liberdade artística para criar:
Narrador, nem pensar, excluímos a figura do narrador e deixamos as informações orais a cargo dos entrevistados. Surge outro problema: Se não há narrador, teremos que mostrar muito os entrevistados, o que não falta em inúmeros documentários são "cabeças falantes" que se repetem. Outro problema foi a postura dura e artificial dos entrevistados, provavelmente causado pela presença da câmera, uma espécie de máscara fria, de uma seriedade nervosa.
Primeiro passo: Filmar o cotidiano da personagem, como se fazia no "cinema direto" americano. Filmamos os pequenos gestos. Misturamos essas imagens espontâneas às sérias que nos incomodavam, chamo isso de "máscara da espontaneidade " , a qual você manipula a favor de uma humanização do entrevistado ou simplesmente tira o peso que uma filmagem traz. Misturamos também as imagens litúrgicas e rituais a essas entrevistas, o que deu dinamismo ao filme.
Se na mitologia africana Exu é a dinâmica e sobretudo aquele que permeia a tudo que existe no mundo e no universo, não poderíamos fazer um filme jornalístico. Optamos pela poesia.

MONTAGEM SISTEMÁTICA

Luciano Valério foi uma das pessoas que primeiro aderiram ao projeto, começou como um dos fotógrafos, mas recebeu uma proposta inusitada para trabalhar na Holanda. Depois de mais ou menos cinco meses de ausência, ele voltou e montou o filme.
Esse trabalho de finalização durou aproximadamente um mês e o medo de não alcançar o prazo estabelecido pela prefeitura nos fez trabalhar em estado de frenesi.
Definimos dezesete entrevistados titulares para o documentário (um bom número tratando-se de Exu), inclusos nas cinquenta e seis horas de material filmado, entre imagens rituais ou externas.
Assistimos fita por fita, dia e noite, pois o prazo estava vencendo. Houve vezes em que passamos quarenta e oito horas em claro na frente do computador.



O estágio de decupagem do material foi o mais cansativo , tínhamos que separar os planos que nos interessavam, para depois criar um roteiro e uma lógica narrativa. Separamos aproximadamente mil planos, os quais eram organizados em pastas temáticas. Com a entrevista o processo foi o mesmo, ouvimos todos os textos para depois separar por temas, assim começamos a montar os planos sequênciais e achar o fio narrativo pra todo o material selecionado.

Na foto: Kiko Dinucci (diretor) e Luciano Valério, o responsável pela montagem. Uma câmera na mão e um guarda-chuva na cabeça, Mairiporã - SP.

O ORIXÁ EXU E O EXU ORIXÁ


No desenrolar das filmagens encontramos uma legião de Exus ditos "entidades" ou "catiços", com suas capas pretas, seus tridentes, charutos e marafos (cachaça), começamos a garimpar para encontrar um Exu "Orixá", fiel as características africanas Iorubanas, rodamos por toda São Paulo a procura da divindade, tratava-se de um caso raro, inclusive na Bahia, com todo o tabu em volta de Exu, é dificílimo um Pai ou Mãe-de-santo ter coragem de iniciar um filho em Exu como Orixá titular da cabeça. Encontramos um filho de Exu justamente ao nosso lado, no Parque Alvorada - bairro dos Pimentas - Guarulhos - SP no terreiro do Babalorixá Carlos Alberto de Camargo de Oxum do Ilê Axé Egbé Nji Bun Mi, antigo Ilê Orinxalá Funfun do falecido Pai Odérito de Oxalufã, onde tivemos o prazer de conhecer Exu Byi (Alaketu).
Quantos aos Exus "entidades", faziam uma verdadeira festa, com muita dança, bebida e palavrão. Na Quimbanda éramos vítimas constantes das brincadeiras desses Exus. Em alguns lugares, aliás, a festa tomava uma uma proporção que quase esquecíamos que tratava-se de um espaço religioso, um certo clima de cabaré no ar esfumaçado.

FILMAGENS OU O OLHO QUE CRÊ EM SUA PRÓPRIA MENTIRA


Dança das Cabaças - Exu no Brasil, média metragem, filmado e finalizado em 6 meses , realizado com orçamento de R$ 19.000,00. Dizem que Robert Rodriguez fez El Mariachi com 7 mil dólares, não acredito, bem como não acreditaria nos 19 mangos do Dança das Cabaças.
Algumas pessoas falam - pôxa, vocês não foram pra Bahia - pois é, queríamos ter ido até Bahia, Recife, Maranhão, Rio Grande do Sul, Nigéria e tal. 19.000,00 na Bahia daria só pra passagem com direito a um acarajé pra cada, impossível.
Acredito que dá pra fazer um filme sobre Exu até na Finlândia. Acho que esse título "Exu no Brasil" é na verdade uma farsa, deveria se chamar "Exu em São Paulo". Desde o começo defini esse caminho, iluminado pelo livro do professor Reginaldo Prandi, Os Candomblés de São Paulo. Dança das Cabaças é mais um panorama das religiões de matrizes africanas nessa na metrópole.
Enfim, choramos pouco e fizemos o filme.
Dança das Cabaças é um filme AMADOR, como diria Jean Rouch, feito com AMOR, ao cinema e ao tema abordado.

PRÉ-PRODUÇÃO, ENFIM


Após o projeto ter sido contemplado pelo FunCultura, tínhamos que agilizar algumas coisas enquanto a verba não era liberada. Eu e o consultor Tata Samunanguê (Nelson Ribeiro), começamos a contatar os possíveis entrevistados, pessoas que conhecíamos ou pela atuação em pró as religiões afro-descendentes ou através de indicação.
Visitamos pessoalmente várias pessoas com o projeto na mão e todas, ou quase todas, aceitaram participar do documentário, com a condição de não exibir os segredos da religião e não realizar uma abordagem sensacionalista, como é de costume dos telejornais e dos programas evangélicos neo-pentecostais.
Procuramos tantos sacerdotes, que em um ou dois meses, boa parte dos adeptos do Candomblé de São Paulo já estavam sabendo sobre o "tal documentário sobre Exu". Quando fomos dar uma espiada no congresso de Umbanda e Candomblé de Diadema organizado pelo sacerdóte de Tambor de Mina, o paraense Pai Francelino de Shapanan e as pessoa estavam ávidas por informações sobre o vídeo e nem tínhamos iniciado as filmagens.

na foto: Os paus pra toda obra, Nelson Ribeiro - Tata Samunanguê) o consultor, Marcelo Kazuo (fotografo) e Kiko Dinucci (diretor). Ilê Iyá Oxum Muyiwá, São Paulo-SP de Mãe Wanda de Oxum

PRODUÇÃO ANTES dA PRÉ-PRODUÇÃO


Começamos a filmar antes mesmo de qualquer incentivo, ou seja, estavamos dispostoa a realizar esse projeto de qualquer maneira, mesmo que o processo durasse dez anos. Timidamente começamos a correr algumas festas e filmar tudo às próprias custas.

POR QUE EXU?


A idéia inicial de realizar o documentário Dança das Cabaças - Exu no Brasil surgiu a partir de pesquisas de caráter musical em terreiros de Candomblé e Umbanda do estado de São Paulo.
Me incomodava a falta de conhecimento e esclarecimento sobre Exu em todos os sentidos. Sabemos que no imaginário brasileiro Exu é comparado ao Diabo do mundo cristão, tudo isso apoiado numa grande falta de informação.
Senti a partir daí que era possível realizar um trabalho pelo FunCultura e o que eu estava pesquisando naquele momento - a música - não seria o suficiente como ferramenta para desenvolver a idéia. Sendo assim, optei pelo formato audiovisual, já que existiam bons textos escritos por sociólogos, antropólogos e etnologos, à exemplo de Roger Bastide, Pierre Fatumbi Verger, Arthur Ramos, Nina Rodrigues, , Sergio Ferretti, Reginaldo Prandi, Juana Elbein dos Santos entre outros.